No último dia 18,
publiquei aqui minha análise sobre o pedido de salvaguardas ao vinho nacional. Recebi muitos comentários e aproveito para agradecer a todos que os fizeram. Desde então, muito se falou a respeito do assunto relativo às salvaguardas. Destaco a
entrevista que o Sardenberg fez com o advogado Eduardo Fleury, para a rádio CBN, em que se alertou para a possibilidade jurídica de que seja adotada, antes do término da investigação, uma salvaguarda provisória, cuja duração seria de, no máximo, 200 dias. Um artigo que merece ser lido consiste no que o Jorge Lucki
escreveu para o Valor Econômico, pois enfrenta a questão sob diversos prismas. O Ciro Lila, proprietário da Mistral, também se manifestou sobre o tema, em sua
carta aberta. São tantos os bons textos que permeiam esse debate que seriam injusto tentar enumerá-los aqui.
Mas proponho-me, agora, a analisar alguns aspectos da "nota de esclarecimentos" que o Ibravin e outras entidades divulgaram, que fiz questão de
publicar aqui no blog, até porque creio ser fundamental que todos possam expor suas ideias e argumentos.
O texto se inicia deixando claro que não se pode "responsabilizar" nenhuma vinícola, isoladamente, pelo pedido de salvaguardas. Isso, por si só, já evidencia o desconforto causado pela amplamente negativa repercussão que o pedido tem causado. Mas há que se reconhecer que, formalmente falando, foram as entidades que apresentaram o pedido. Mesmo sabendo que um pedido dessa natureza não surgiria se não fosse da vontade majoritária dos associados ou representados, como não se explicitou de que forma a tomada de decisão ocorreu no âmbito de cada uma das entidades, não se pode afirmar nada categoricamente a respeito.
Esse desconforto fica ainda mais claro ao se ler o seguinte trecho:
"É importante ressaltar que não pedimos e não queremos o aumento de impostos para os vinhos importados!"
Ora, quando atitudes são tomadas, seus "autores" devem arcar com os ônus, nomeadamente com aqueles mais impopulares. Nada mais antipático do que pregar aumentos de impostos para os consumidores brasileiros, cujos ombros já suportam uma carga tributária hercúlea.
E por mais que não se queira assumir a paternidade desse "filho feio", a verdade é que o pedido de salvaguarda pode, sim, resultar num incremento de impostos. Tal fato decorre da própria natureza do
procedimento que foi instaurado a pedido dessas entidades. Dizer, agora, que não pediram aumento de impostos soa tão verdadeiro quanto dizer que aquele que acende um pavio de uma bomba não é responsável caso ela exploda, pois o que vai detonar a pólvora (e causar a explosão) é o pavio e não quem o acendeu.
Basta olhar no
site do próprio Ibravin para verificar que o aumento de imposto está entre os objetivos da entidade. Veja só o que um
artigo ali publicado, atribuído a Renan Arais Lopes, da Assessoria de Imprensa da Senadora Ana Amélia Lemos, diz, sem qualquer ressalva por parte do Ibravin (destaquei):
Senadora gaúcha confirmou que vai produzir relatório contrário ao PL que propõe redução do Imposto de Importação para os vinhos de Portugal.
A senadora Ana Amélia (PP-RS) reafirmou seu apoio às medidas que contemplam a área da vitivinicultura ao participar de reunião com lideranças do setor, nesta quarta-feira (14).
As principais reivindicações dos vitivinicultores são referentes à criação de salvaguardas para proteger o mercado e a indústria brasileira. A expectativa é pelo aumento da taxa de importação sobre vinhos como da Europa, Austrália e do Chile, este último responsável por 36,6% das importações de vinho no país.
As salvaguardas podem contribuir para aumentar a participação dos vinhos finos e espumantes nacionais de 20% para 37% no mercado nacional. As medidas são por meio de aumento do imposto de importação ou de restrição quantitativa.
As lideranças do setor também pediram o apoio da senadora para que não seja aprovado pelos parlamentares o projeto de lei (PLS 6/2012) que isenta do imposto de importação o vinho procedente de Portugal.
A parlamentar gaúcha é relatora da matéria e já confirmou que é contrária à iniciativa que irá prejudicar a indústria nacional.
Participaram do encontro o vice-presidente do Sindicato da Indústria de Vinho do Rio Grande do Sul (Sindivinho-RS), Gilberto Pedrucci, o diretor executivo do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), Carlos Raimundo Paviani, o Coordenador da Comissão Interestaduall da Uva, Olir Schiavenin.
Portanto, dizer que não há essa possibilidade revela uma das seguintes possibilidades: a) desconhecimento do procedimento (ouça a
entrevista da CBN ou leia
o texto anterior); b) tentativa de ludibriar o público, amenizando os estragos já causados à imagem dos produtores brasileiros. As duas hipóteses são lamentáveis.
Outro trecho da nota que merece reflexão é o seguinte:
"Quando falamos em estabelecer cotas para os vinhos estrangeiros, isso não quer dizer que queremos restringir a variedade atual. Se a Salvaguarda for implantada, as cotas de entrada de vinhos por países serão estabelecidas por uma média dos últimos três anos. O que queremos é regulação, não restrição."
Se o estabelecimento dessas cotas não significa restrição, o que mais pode significar? Justificar o injustificável leva a essas incongruências. Dizer que as cotas serão estabelecidas pela médias dos últimos 3 anos não tira o caráter nebuloso de como, efetivamente, ocorreriam essas cotas. Além do mais, essa definição caberia ao governo. De qualquer modo, restringindo a oferta, os preços subiriam, naturalmente.
Mas um dos mais infelizes trechos da nota ficou para o final (destaquei):
"As ameaças e pressões comerciais, como a proposta de boicote aos vinhos verde-amarelos, que têm circulado nas redes sociais e que pretendem restringir a presença dos rótulos brasileiros no mercado, só aumentam, comprovam e justificam ainda mais a necessidade de implantação das medidas de Salvaguarda."
Trata-se de uma desesperada tentativa de transformar em causa aquilo que é consequência. Essas propostas de boicote só foram cogitadas justamente em virtude do infeliz pedido de salvaguardas. Não se tem notícia de algo semelhante antes disso. Mais uma vez, essas entidades conseguem por os pés pelas mãos, maculando a imagem do vinho brasileiro, ao deixar claro que o consumidor não pode ter opinião e que deve ir a reboque dos interesses dessas entidades. Realmente lamentável!
Imagem: Steven Goodwin