terça-feira, 23 de março de 2010

Gosto e Poder: vinho, cinema e a busca dos prazeres - De Jonathan Nossiter

Normalmente, eu coloco aqui o link das colunas homônimas deste blog, levando para o jornal Comércio do Jahu. Mas, em função em problemas técnicos decorrentes da mudança no site deles, isso não será possível desta vez. Assim, decidi colocar a coluna aqui, na íntegra. Ela foi publicada originalmente no mencionado jornal em janeiro e no CirculandoAqui.com.br.

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Gosto e Poder: vinho, cinema e a busca dos prazeres

Este é o título do livro escrito por Jonathan Nossiter, nascido nos EUA, criado entre a França, Itália, Índia e Inglaterra, tendo se naturalizado brasileiro. Atualmente, mora no Rio de Janeiro, com sua esposa, que é brasileira.Cineasta, seu filme mais conhecido no Brasil – ao menos entre os enófilos - é chamado “Mondovino” (também houve uma série de TV, exibida no Brasil pela Rede Bandeirantes).

Embora Nossiter proclame, já no início do livro, não se tratar de uma cotinuação de “Mondovino” em outra linguagem, é inegável que as opiniões contundentes e a irreverência guardam muita semelhança com o “espírito” do filme.

Como o próprio título sugere, o autor mescla suas duas paixões, quais sejam, o vinho e o cinema. E, para aqueles que, apesar de gostarem muito de vinho, não são versados em cinema (este é o meu caso), a parte inicial do livro pode assustar e mesmo trazer um certo desânimo em prosseguir com a leitura, pois as analogias empregadas por Nossiter envolvem obras de diretores/cineastas como “Ira Sachs” e “Wong Kar-wai” (isso só para citar dois deles). Causa certa estranheza algo que poderia ser definido como um “existencialismo filosófico” atrelado à figura do terroir. Um capítulo com o inusitado nome de “Por que não somos cachorros” também pode afugentar leitores menos persistentes.

Com todas essas “qualidades”, faria sentido persistir na leitura? Eu persisti e posso dizer, seguramente, que vale a pena. Digo isso porque, não obstante esses aspectos menos agradáveis da leitura, Nossiter aborda o mundo do vinho de uma maneira ácida e enfática. Concordando ou não com as opiniões dele (concordo com a maior parte), é improvável que o leitor fique indiferente. Um pequeno, mas emblemático, exemplo de que a leitura se revela gratificante aparece ainda na apresentação, quando, ao falar do “enologuês”, Nossiter analisa o comentário de Harvey Steiman,da revista Wine Spectator, para um vinho do estado de Washington, de 115 dólares. Steiman assim o descreveu: “é intensamente aromático e transborante de fragrâncias e sabores de amora e groselha, matizado com toques de expresso e chocolate contra taninos um tanto areentos. Uma nota de carne confere maior profundidade, enquanto o retrogosto persiste, em oposição aos taninos. Melhor a partir de 2010 até 2017.”. Nossiter sentencia: “Quer dizer que nosso considerável investimento nos renderá uma refeição substancial, se não completa, começando com coquetel de frutas, passando por uma carne misteriosa e terminando com sobremesa de chocolate e café? Tudo isso com um prazo de validade determinado matematicamente, um exercício tão científico quanto calcular a expectativa de vida de uma criança de dois anos.

E o livro ainda traz abordagens mais sérias e profundas. Uma delas reside na análise “cru” e perspicaz acerca do “Julgamento de Paris” (uma prova de vinhos realizada na capital francesa, no ano de 1976, em que foram comparados, às cegas, vinhos franceses e californianos). Robert Parker (mais influente crítico de vinhos da atualidade), como não poderia deixar de ser, é alvo frequente da desaprovação de Nossiter, do mesmo modo que fez em “Mondovino”. Mas o livro ainda pode ser encarado, em certa medida, como um “guia” - muito pessoal, é bem verdade – de vinhos da Borgonha (o autor deixa transparecer sua predileção) e de outras regiões e, ainda, de bons lugares para se comprar ou beber vinho em Paris. Outro aspecto interessante reside nas longas conversas travadas por Nossiter com produtores de vinho e restauranteurs.

Em suma, “Gosto e Poder” revela-se um livro irriquieto e polêmico, mas, acima de tudo, autêntico e peculiar.

Um comentário:

  1. Oi Guilherme, obrigada, você me convenceu, vou o ler !
    Abraço
    Dorothée

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